MÚSICA. ACERVO ONLINE 02/09/2014
Raridades musicais de antigo selo do Belchior estão no Itunes
Dono de um imenso acervo de discos e documentos, o compositor Jorge Mello torna pública sua coleção que inclui gravações inéditas do "pessoal do Ceará"
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Marcos Sampaiomarcossampaio@opovo.com.br
Diariamente, Jorge Mello olha para um tesouro de fazer inveja a Matarazzos e Batistas. Mas não é em cifrões que se mede esse patrimônio, cujo valor é incalculável. Memorialista, segundo a própria definição, o piauiense de Piripiri guarda caixas e mais caixas com pedaços importantes da cultura brasileira. São muitos quilos de antigas fitas de rolo com gravações raríssimas de Luiz Gonzaga, Egberto Gismonti, Gilberto Gil e muitos outros.
O acervo fez parte da extinta Paraíso Discos, gravadora que fundou com o amigo e sócio Belchior. Metade dos originais ficaram com Jorge Mello, que já começou a disponibilizar esse material no Itunes. São mais de mil fonogramas, dos quais um quarto já foi digitalizado em parceria com a empresa francesa Gênesis Music. “Na nuvem, não é finito. Fica tudo disponível eternamente para o mundo inteiro”, comemora Mello, que precisa localizar os músicos que participaram dos outros discos para gerar o ISRC (código internacional de identificação de obras) e também disponibilizá-los.
Cantor, compositor e advogado especialista em direitos autorais, Jorge Mello conheceu Belchior nos tempos da faculdade e, tendo a música como liga, tornaram-se grandes amigos. Depois de dividir noites no bar do Anísio -antigo endereço da boêmia cearense -, a dupla integrou a leva de artistas que mudou-se para o Sudeste na década de 1970. Tempos depois, a música de Belchior ganhou as rádios e prestígio. A de Mello ficou no prestígio, principalmente com a crítica especializada. Em 1980, o compositor de “A palo seco” chamou o amigo para fundar a Paraíso Discos, onde o primeiro entraria com o cacife para atrair clientes e o segundo, músico de formação, seria o responsável pelos arranjos e produções.
A parceria deu certo e atraiu artistas do Brasil inteiro, todos dispostos a realizar trabalhos além do convencional. Um deles foi Oswaldinho do Acordeon, que teve suas primeiras gravações feitas com eles. A parceria de Mello e Belchior rendeu dinheiro e amizade, mas se encerrou em 1995. “Muita gente me pergunta, mas não houve briga”, comenta Mello, explicando que o pivô da separação foi o desejo do sócio de comprar um estúdio. Na sua avaliação, não valeria a pena, num tempo em que os computadores já estavam barateando custos de gravação.
Como, na época, Jorge Mello já estava iniciando a JMT Produções, aceitou o fim da sociedade e combinou com Belchior que cada um ficaria com metade do espólio da Paraíso Discos. Enquanto Belchior escolheu os próprios discos, Mello foi naqueles que se tornariam mais valiosos. “Recebi muitas propostas até chegar a essa do Itunes. Muita gente queria (o acervo), mas só se já fosse digitalizado, o que ficaria muito caro”, explica, acrescentando uma média de R$ 300 por hora de estúdio em São Paulo. O relançamento digital acontece aproveitando uma brecha jurídica, uma vez que o formato não era previsto nos antigos contratos. Sem Belchior para dar aval, Mello fica impedido de relançar em CD ou mesmo LP.
Enquanto Mello seguiu com produções musicais e de publicidade na JMT, Belchior passou por problemas administrativos, até que, desapareceu por volta de 2006. De lá para cá os dois se falaram em três rápidas ligações em janeiro de 2007, todas feitas por Belchior. Desde então, Jorge Mello mantém contato com a família do parceiro, mas não tem pistas sobre onde ele está.
CONTINUAÇÃO DA CAPA. 02/09/2014
O valioso acervo de Jorge Mello
Além de músicas, Jorge Mello também guarda documentos raros, como uma partitura original de Luiz Assunção
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O hábito de guardar coisas fez Jorge Mello acumular em casa um acervo de valor incalculável. Segundo ele, são dois quartos completamente lotados de fitas, documentos e objetos. Nessas caixas estão, por exemplo, partituras dos séculos XVII e XVIII. Entre as partituras, estão também alguns originais inéditos de Luiz Assunção. Ali também estão as fichas com as notas dos festivais de música do Ceará.
Outras preciosidades guardadas por Jorge Mello são gravações raríssimas com Ednardo, Belchior, Fagner e muitos outros, todas feitas bem antes deles conhecerem a fama. Essas gravações foram dadas pelos empresários Simon Bau e Reynaldo Zangrand, ambos falecidos. Gravado de forma rústica e improvisada, esse material inclui, por exemplo, a primeira gravação de “A palo seco”. Tudo isso também deve ver a luz do dia em breve. (Marcos Sampaio)
DESTAQUES DA PARAÍSO DISCOS
Benedito (1983)
Com arranjos e direção de Jorge Mello, o disco de Bené Fonteles trazia uma série de experimentações sonoras. Luiz Gonzaga abre com um aboio, Egberto Gismonti improvisa sons de água no violão e Tetê Espíndola canta com a boca cheia de maçã. Participações ainda de Belchior, Luli e Lucina.
O amanhã será melhor (2002)
Pianista e poetisa que conviveu com a cena modernista brasileira, Íris Thompson de Carvalho tinha mais de 80 anos quando gravou este disco. Com concepção artística de Belchior, o disco traz participações de Moraes Moreira, Gilberto Gil, Almir Sater e outros.
Cenas dos próximos capítulos (1984)
O oitavo disco da carreira de Belchior trouxe quatro parceiras com Jorge Mello. Entre elas está “Rock-romance de um robô goliando”, um rock-pop-rap de sete minutos. Com muitos teclados, o disco também apresenta “Ouro de tolo” (Raul Seixas) e “Forró no escuro” (Luiz Gonzaga).
Algo interessantíssimo e valioso que pude ler hoje sobre a cultura musical conservada nos escaninhos (dois quartos) de um estudioso e parceiro do seu tempo
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