terça-feira, 23 de agosto de 2011

Capítulo: DA TITULARIDADE

Muitos leitores têm escrito sobre o livro DIREITO AUTORAL: DA TITULARIDADE, ávidos por conhecer o texto por inteiro. Paciência e obrigado pela leitura. Segue mais um capítulo para sua leitura e prometo que postarei o restante com a maior brevidade. Havendo dúvidas sobre algum ponto da matéria, podem me escrever que terei o maior prazer em conversar sobre isso. Boa leitura.

(Continuação do texto do livro):
4  -  DA TITULARIDADE

     E o que vem a ser titularidade? “A titularidade é o exercício de direitos autorais entre uma pessoa e a obra que os gera”[1].
     O ser criador, o autor,  terá a titularidade originária que decorre do fato de ter criado obra intelectual. Na hipótese dos direitos autorais patrimoniais serem objeto de negócio jurídico, ou transmitido por sucessão o adquirente exercerá os direitos patrimoniais como titular derivado. Existe uma titularidade originária e uma titularidade derivada.
     Não devemos confundir titularidade derivada com os direitos de autor sobre obra derivada de obra original (artigo14 da Lei 9.610/98). Porque nesse caso a obra resultante é uma nova obra, nascida da ação de quem adapta (quem troca o gênero da obra), traduz (que é a reprodução da obra em outro idioma), arranja ou orquestra (que é a troca da forma externa da obra teatral, musical ou literária).
     Quem age sobre uma obra pré-existente, criando outra, tem a titularidade original da nova obra. Agir sobre uma obra já existente, é criar. O que temos daí é a criação de autor pessoa física tendo por base uma obra original anterior de outro autor. O resultado é uma outra obra genuína derivada daquela. A titularidade resultante da nova obra, é titularidade original.

     Autoria é diferente de titularidade? É assim que entende o legislador? Na hipótese de se referir a uma titularidade inerente à pessoa jurídica, estamos falando de titularidade derivada de algum direito de autor, mas nunca de titularidade decorrente da autoria. A pessoa jurídica pode explorar as obras, nunca criá-las. Pessoa jurídica pode portanto ter titularidade mas não é autora da obra. Logo, o legislador entende que autoria é diferente de titularidade.
     Este princípio é defendido na Carta de Direitos de Autor adotada pela Confederação Internacional de Sociedade de Autores ( CISAC) no Congresso de Hamburgo (1956), no cap. 2 §§ 5 e 6:

     “5. El derecho de autor se funda en el acto de la creacion intelectual.
     Tiene su origem en la natureza misma de las cosas.
     No puede pues encontrar en la ley sino su reglamentación, ya que su existência no debe nunca subordinarse a formalidades de ordem constitutiva.
     6. El título justificativo del derecho de autor, que  reside en acto de la criación intelectual, radica únicamente en la persona física de su o de sus creadores, cuando este derecho nasce.
     Una persona moral nunca puede ser considerada como el titular del derecho de autor en una obra del espíritu. Importa desechar, como inadmisible, el concepto del autor como simple asalariado de una empresa industrial, a la cual la obra revertiria en derecho como un produto cualquiera” (Lipszyc,1993:124).

     Vários doutrinadores se desdobram na compreensão desse problema. Eduardo Pimenta assim nos ensina:
     “(...) as pessoas jurídicas não terão o estatus de autor, como também não podem figurar como autora. A criação intelectual é faculdade do ser humano, pessoa física. A simples organização, para a criação intelectual, por pessoa jurídica a esta caberá a titularidade (art. 17, § 2º). Então, a autoria deverá ser de uma pessoa física, cabendo apenas a empresa singular ou coletiva que organizou a realização da obra intelectual, o exercício dos direitos autorais patrimoniais...”[2]
     Nesse sentido, a lei define autor como sendo pessoa física, mas também prevê que as pessoas jurídicas podem ser titulares dos direitos autorais e podem exercê-los como o faz o autor. Têm estas pessoas jurídicas poderes para defender os seus direitos de autor. Não lhes cabe portanto exercer o direito moral, prerrogativa exclusiva da pessoa física, por ser um direito personalíssimo do autor, portanto inalienável e irrenunciável.
       Nos países que adotam o sistema latino não se aceitam exceções ao princípio de que o direito de autor só pode nascer da pessoa física que criou a obra. Tem uma finalidade o propósito da lei, que é o de estimular a atividade criativa. Por isso é que se defende a titularidade originária como própria do criador das obras. Com isso asseguram aos autores uma proteção adequada para os resultados da sua criação.

4.1 Titularidade originária
     Poderá ser titular originário de direito autoral a pessoa física que concebe e materializa a obra, esteja ela com qualquer idade, estado ou condição mental inclusive se incapaz.
     Detém a titularidade originária o criador da obra, momento em que nasce o direito de autor. Também é assim considerado aquele que adapta, traduz ou produz qualquer outra transformação em alguma obra existente (nesse caso qualificado como autor de obra derivada). Esta espécie de autor é também considerado autor originário de direitos, sem prejuízo dos direitos de autor da obra da qual deriva, que é a obra originária. Daí se tirar que aquele que for utilizar a obra derivada está sujeito a obter duas autorizações: uma do autor da obra originária e outra do autor da obra derivada desta (tradução, adaptação, etc). A obra originária está contida na obra derivada. A utilização da segunda implica na utilização da primeira.
      Vejamos o entendimento da nova Lei autoral:

         “Art. 14. É titular de direitos de autor quem adapta, traduz, arranja ou orquestra obra caída no domínio publico, não podendo opor-se a outra adaptação, arranjo, orquestração ou tradução, salvo se for cópia da sua”.

     O tradutor, como vimos, também é titular originário de direitos de autor. Devemos entender essa titularidade compreendendo o conceito de tradução: “Traduzir é reproduzir a obra sob outra forma[3]”.
     Emanuel Kant escreveu que, colocando-se no plano jurídico, a tradução de um escrito para outra língua não constitui uma contrafação porque a tradução não encerra literalmente as palavras do autor ainda que as idéias possam ser as mesmas.
     A tradução de uma obra original é uma obra nova porque por mais perfeita que seja a tradução é diferente do original. Por mais conhecimento que tenha das duas línguas, não há como copiar todo o estilo da obra original. O que o tradutor faz é tomar emprestado do autor primitivo o essencial de sua obra, as idéias, sem outras modificações que não seja a linguagem. A tradução depende de autorização do autor.
          Então autor é todo aquele que cria, seja uma criação de obra original, seja uma criação sobre obra existente. Sempre a criação vem de um ato intelectual, o que é impossível de acontecer com pessoas jurídicas.
     “Não pode pois o criador intelectual despojar-se originariamente do seu direito em benefício de um não criador intelectual”[4].    
     Com respeito à aquisição originária do direito de autor por terceiro, temos:
     “A serem admissíveis contratos pelos quais o criador intelectual autoriza outrem a arrogar-se publicamente essa qualidade, nem por isso o direito à paternidade de obra se perde: o criador intelectual pode a todo tempo tornar pública a sua qualidade e vir reclamar a autoria. Há pois um núcleo, ligado à personalidade do agente, que se não perde nunca”[5].


4.2 Titularidade derivada
     Entende-se por titularidade derivada, quando algumas das faculdades inerentes ao autor são transferidas a outras pessoas (físicas ou jurídicas). A Lei 9.610/98 admite as transferências através de: a) licenciamento; b) concessão; c) cessão ; d) outros meios admitidos em direito.
                         
         “Art. 49.   Os direitos de autor poderão ser total ou parcialmente transferidos a terceiros, por ele ou por seus sucessores, a título universal ou singular, pessoalmente ou por meio de representantes com poderes especiais, por meio de licenciamento, concessão, cessão ou por outros meios admitidos em Direito, obedecidos as seguintes limitações:
          I – a transmissão total compreendem todos os direitos de autor, salvo os de natureza moral e os expressamente excluídos por lei;
          II  -  somente se admitirá transmissão total e definitiva dos direitos mediante estipulação contratual escrita;
          III  -  na hipótese de não haver estipulação contratual escrita, o prazo máximo será de cinco anos;
          IV  -  a cessão será válida unicamente para o país em que se firmou o contrato, salvo estipulação em contrário;
          V  -  a cessão só se operará para modalidades de utilização já existentes à data do contrato;
          VI  -  não havendo especificações quanto à modalidade de utilização, o contrato será interpretado restritivamente, entendendo-se como limitada apenas a uma que seja aquela indispensável ao cumprimento da finalidade do contrato”.

           A Lei admite que o autor pode transferir totalmente os direitos patrimoniais de que é titular, e isso implica que o novo adquirente é quem terá o direito de utilizar e autorizar o uso econômico da obra.
     Os efeitos são similares nessa transferência de titularidade tanto no sistema de titularidade derivada como no de titularidade originária, quando efetuados em favor de um terceiro, de pessoa distinta da do criador da obra. A diferença está no tocante ao direito moral.  Esse direito moral na  titularidade derivada permanece com  o verdadeiro autor da obra. No final desse trabalho falaremos do direito moral e do direito patrimonial.
     Aquelas pessoas físicas ou jurídicas, que tenham recebido por transmissão os direitos de autor, são titulares derivados desses direitos autorais. Essa espécie de titularidade nunca pode abarcar a totalidade dos direitos de autor que incluem os direitos morais e os direitos patrimoniais. Foram transferidos apenas os direitos patrimoniais porque os direitos morais são inalienáveis.

4.2.1 Formas de transferências de titularidade:
a) Por licenciamento:     
     Devemos observar que os contratos que usualmente se vê de exploração de obras pelos quais o autor (titular originário), autoriza a uma outra pessoa a utilizar a sua criação, são entendidos como licenças não exclusivas, que é um tipo de contrato que habitualmente acontece em matéria de execução pública de obras musicais. Esses contratos constituem direitos exclusivos em favor do usuário, mas não são contratos de cessão de acordo com o direito comum porque não transferem a totalidade dos direitos de exploração.
     O sistema autoral autoriza que outras pessoas surjam pela via derivada. Essa titularidade pode ser alcançada na circulação jurídica da obra através de contratos firmados pelo titular originário. Essa transmissão de direitos opera-se apenas para efeitos patrimoniais.

b) Por concessão:
     A concessão corresponde a uma permissão para o exercício de um direito autoral ou conexo por prazo determinado pela qual a concedente continua sendo o titular desse direito, mas sem poder exercê-lo na parte que foi outorgada ao concessionário durante esse prazo.
     “Os  direitos de exploração tiram sua influência exatamente do liame pessoal que une o autor à sua obra. Daí nunca é total a cessão de direitos em concreto: por isso, propôs-se a utilização do vocábulo concessão, em seu lugar, quando se discutiam a lei alemã e a lei francesa”[6].
c) Por  cessão:
     O assunto é tratado na Lei 9.610/98, nos artigos 49 já lido acima, ainda pelos artigos 50, 51 e 52.

      “Art. 50. A cessão total ou parcial dos direitos de autor, que se fará sempre por escrito, presume-se onerosa.
      § 1º Poderá a cessão ser averbada à margem do registro a que se refere o art. 19 desta Lei, ou, não estando a obra registrada, poderá o instrumento ser registrado em Cartório de Títulos e Documentos.
      Constarão do instrumento de cessão como elementos essenciais seu objeto e as condições de exercício do direito quanto ao tempo, lugar e preço.”

      O objetivo dessas formalidades é fazer com que essa cessão possa valer contra terceiros. Caso alguém não averbar a cessão na margem do registro, na hipótese da obra ser registrada ou não registrar o documento de cessão no Cartório de Títulos e documentos para o caso de obra não registrada, não valerá este documento para a defesa dos direitos adquiridos.
     Há uma jurisprudência sobre a matéria, que ilustra bem a necessidade dessa formalidade quando se trata da cessão. Vejamos:

     “A inércia do editor na defesa do Direito Autoral violado jamais poderá se transformar em empecilho a que os autores pessoalmente defendam sua criação artística, seja no plano moral, seja no patrimonial. Se o concessionário não registrou a cessão para legitimar sua atuação perante terceiros, claro é que plena continua a titularidade do autor para agir contra quem que viole o seu Direito Autoral”. (TJMG  -  Ap. n. 67.322, Ac. 30-5-85).

        Continuemos com a indicação legal:

     “Art. 51.  A cessão dos direitos de autor sobre obras futuras abrangerá, no máximo, o período de 5 (cinco) anos.
     Parágrafo único. O prazo será reduzido a 5 (cinco) anos sempre que indeterminado ou superior, diminuindo-se, na devida proporção, o preço estipulado.

     Art. 52. A omissão do nome do autor, ou de co-autor, na divulgação da obra não presume o anonimato ou a cessão de seus direitos.”

     Se a transferência é feita por meio de cessão, trazem consigo a idéia de mudança de titularidade. Bem diferente de licenciamento, porque este indica ato de autorização ou permissão para o uso não indicando a mudança da titularidade.
     A cessão de direitos consiste na transferência definitiva da titularidade do direito autoral  do cedente ao adquirente, mas só dos direitos patrimoniais.
     A cessão pode ser total ou parcial (art. 50), conforme compreenda todos ou alguns dos direitos patrimoniais do autor, e sempre onerosa. Algumas legislações, objetivando proteger ao autor, limitam a cessão total.
     A Lei 9.610/98 edita normas para reger a cessão de direitos permitindo-a total ou parcialmente, a título universal ou singular (art. 49), com a ressalva de que na transmissão total que compreenda todos os direitos não se incluam os de natureza moral, como por exemplo o de introduzir modificações e os expressamente excluídos por lei (art. 49, I)[7].
     As transferências de que fala o art. 49 obedece ainda a uma série de limitações constantes dos incisos I a VI. Limita a transmissão dos direitos de natureza moral (inciso I) e os expressamente excluídos por lei. Limita essa transmissão à forma escrita (inciso II), mas admite que, na hipótese dessa cessão ter sido contratada sem a forma escrita, terá o prazo máximo de cinco anos (inciso III), embora logo em seguida no artigo 50 esteja expresso que a cessão deve sempre ser realizada na forma escrita. Como a Lei consagra o princípio da interpretação restrita, entendemos que só deve haver a cessão na forma escrita. Limita também quando prescreve a Lei que a cessão é válida apenas para o país em que se firmou o contrato (inciso IV). Todas essas limitações regulamentando a cessão deixam claro que aos olhos da nova lei autoral devemos ter mais cautela na celebração dos contratos envolvendo direitos de autor e direitos conexos. Limita também o art. 49, V, a operação da cessão para as modalidades de utilização existentes à data do contrato. Com isso, as utilizações que se tornarem conhecidas posteriormente poderão ser tidas como inoperantes.
     O art. 51 da atual  lei autoral estabelece o prazo máximo de cinco anos para a cessão de obra futura assim como outras limitações.
     “Observe-se, assim, que a lei consagra expressamente o princípio da interpretação estrita, prescrevendo também a independência das formas de utilização das obras intelectuais; limita a autonomia dos contratantes na celebração de contratos de cessão de direitos, para os quais exige a forma escrita, a enunciação expressa dos direitos cedidos e suas condições, bem como a exclusão dos modos não previstos, como corolários do princípio geral”[8].
     O autor tem plena titularidade sobre qualquer modalidade de exploração da obra. Cada maneira de exploração da obra é independente da outra. Nesse caso, se o autor ceder o direito de representação, conservará o de reprodução e dentre os direitos que compreende serão considerados transferidos somente aqueles expressos no contrato.
     A Lei 9.610/98 apresenta novidades no instituto da cessão: havendo  silêncio das partes, o prazo não poderá ultrapassar a cinco anos e em princípio só vale para o país em que se firma contrato (art.49).
     Os sócios de uma pessoa jurídica podem criar uma obra e sobre ela ter a proteção de seus direitos morais, mas nada impede que os direitos patrimoniais sejam cedidos ou transferidos para a pessoa jurídica.  
     Mesmo depois de cedidos os direitos patrimoniais do autor, este conserva aqueles tidos como direitos morais, como o de reivindicar a paternidade da obra, assim como o de se opor a toda deformação, mutilação ou modificação dessa obra, ou ainda a qualquer dano que possam ser prejudiciais à sua honra ou à sua reputação.

d) Por  Transmissão “causa-mortis”:
     Aqueles direitos patrimoniais que o autor não transferiu por ato “intervivos” recebem os sucessores “causa-mortis”. Estes podem exercer as faculdades negativas e defensivas do direito moral e o direito de divulgação das obras póstumas.
     Mesmo acontecendo transmissão “causa-mortis” os sucessores não recebem as faculdades essencialmente pessoais, posto que estas integram o direito moral de autor e é direito que, salvo exceções, não se transmitem. Os sucessores podem exercer apenas as faculdades tidas como negativas, que são o direito ao reconhecimento da paternidade e o direito à integridade da obra. No campo do direito patrimonial podem os herdeiros exercer o direito de divulgar as obras póstumas e também usufruir a totalidade dos direitos de exploração.


[1] Pimenta,1998:65.
[2] Pimenta,1998:61.
[3] Enrico-Rosmini, in Matia,1975: 7.
[4] Ascensão,1980:63.

[5] Idem, p. 60
[6] Bittar,1999:43.

[7] Veja no artigo 27 o elenco de direitos morais do autor que esta Lei não permite sejam transferidos.
[8] Ascensão, 1980, 60

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