quarta-feira, 30 de março de 2011

Livro: DIREITO AUTORAL: DA TITULARIDADE

Você leitor, vai ler meu livro: "DIREITO AUTORAL: DA TITULARIDADE", publicado em 2005, pela Kether Editora, que postarei em capítulos. Nessa primeira postagem publico a APRESENTAÇÃO DO LIVRO, de autoria de Rúrion Soares Melo, doutor em Filosofia pela USP e hoje professor de "Teoria Política" da UNIFESP. Nos capítulos seguintes publicarei os capítulos restantes numerando cada um deles exatamente como está no livro para que você possa acompanhar e aprender sobre Direitos Autorais. Se você, leitor, é autor aprenderá de quem deve receber seus direistos autorais por utilização de obra protegida e a quem cobrar seus direitos autorais. É isso que pretendo lhe mostrar com meu livro. Nesse ato autorizo o usuário, leitor a fazer dowload se for do seu interesse. Boa leitura.



DIREITO AUTORAL





Direito Autoral: da titularidade.

Jorge  Mello








Apresentação

Rúrion Soares Melo

                Muitos seriam os motivos para a publicação do presente livro sobre a questão do direito autoral. Gostaria de iniciar considerando dois deles, um subjetivo e outro objetivo.
No que concerne ao primeiro caso, Jorge Mello tem uma relação peculiar com o tema do direito autoral. Ora, a escolha do tema não resultou somente da experiência do advogado e especialista, mas foi antes decorrência da atividade do próprio autor como artista e compositor, ou seja, da sua condição de titular de direito autoral, bem como de sua participação em diversas entidades brasileiras de proteção e defesa dos direitos autorais[1].
                No segundo caso, os dispositivos jurídicos de regulação da criação e da autoria tornam-se cada vez mais complexos devido à multiplicação fenomenal das novas tecnologias de informação e de comunicação, tornando necessária a constante revisão das regras pertinentes à criação, reprodução e transmissão das obras. Quase que semanalmente nos deparamos com assuntos e controvérsias referentes a direitos autorais, seja nos casos mais comuns ligados à pirataria ou às gravações possibilitadas pela Internet, seja na proibição da reprodução de livros, etc. A negociação a ser conduzida nessas intrincadas controvérsias não pode se reduzir às argumentações políticas e econômicas sem a mediação imprescindível do direito. Ao mesmo tempo, este passa a ter de ser compreendido de forma reflexiva, passível de se adaptar às circunstâncias e interesses mais diversos.
                Se, por um lado, a circulação do saber e do conhecimento implica num aumento da complexidade das regras e dispositivos jurídicos de sua regulação, por outro lado, Jorge Mello se volta para categorias jurídicas do século XVIII a fim de encontrar um “porto seguro”, ou melhor, uma fundamentação racional para a solução das controvérsias do presente. A forma didática de apresentação do texto não deve diminuir a “radicalidade” de sua tese. Contudo, não se trata de uma defesa anacrônica do individualismo jurídico. A justificação de seu ponto de vista normativo resulta de uma reconstrução dos pressupostos presentes na gênese que conduz à nova lei autoral.
                A estratégia de apresentação do texto é dupla: num primeiro momento, explicita-se o ponto de vista normativo com o conceito de “direito moral do autor”; num segundo momento, recorre-se à análise da dogmática jurídica e da comparação da letra da lei em diversos passos. Essas análises e comparações são sempre avaliadas segundo suas tendências de aproximação ou de afastamento em relação à categoria principal, seja para a interpretação dos sistemas abrangentes que norteiam o direito ocidental e, por conseguinte, o autoral (quais sejam, o sistema da common law ou o de tradição jurídica continental européia), seja para a comparação de legislações passadas com a presente.
                Qual é, então, essa categoria central que articula o livro como um todo? Por que uma volta a conceitos que datam de alguns decênios anteriores à Revolução Francesa para fundamentar racionalmente a nova lei autoral?
Jorge Melo vai encontrar essa categoria na formulação de Kant. Interessa nesse caso a dimensão dupla que Kant atribuiu à obra (artística ou intelectual), sobretudo no que diz respeito ao estatuto jurídico do “livro”[2]. Este apresentaria sempre dois níveis distintos de realidade, os quais Kant delimita para poder distinguir tanto a propriedade do autor assim como a posse do adquirente. Com essa distinção, há a possibilidade de se garantir, por um lado, o “direito real” (Sachenrecht), ligado ao arranjo material das idéias, que confere legitimidade ao detentor do exemplar; por outro lado, e agora se trata da questão mais fundamental, Kant assegura a aderência do sujeito ao seu discurso como uma causalidade última e inerentemente ligada à faculdade subjetiva do intelecto. É estabelecido assim um “direito pessoal” (persönliches Recht) baseado na interioridade da pessoa e em suas qualidades.
                A propriedade intelectual “implica, em sua determinação jurídica, que o paralelismo entre a obra e o autor, ou a sua irredutibilidade, possa tornar-se superável. Segundo Kant, essa possível convergência surge quando a pessoa é vista na obra (...) e esta última torna-se a manifestação da interioridade de seu autor. Ora, uma tal representação sintética constitui a única instância determinante na prática, pois o direito lhe reconhece conseqüências, uma operatividade efetiva que considera a obra como reflexo da pessoa”[3].
Nesse sentido, podemos dizer que a questão mais importante do livro reside no modo como a “titularidade” pode, em diferentes casos, resolver a “irredutibilidade” entre a obra e o autor. Com base nessa interpretação do pensamento jusnaturalista moderno, o arranjo material da obra adquire um grau de importância menor do que a natureza primeira da pessoa que vai ser “encarnada” na obra criada. Essa “encarnação” do autor na obra forja, por sua vez, “uma espécie de figura material diretamente equivalente a ele próprio”[4]. Por essa razão, tanto o autor como o editor são “titulares” de um direito sobre um mesmo objeto, mas cada aspecto do objeto (aquele correspondente à originalidade das idéias imprimidas nele e o caráter estritamente “material” de sua edição e reprodução) pode ser considerado separadamente, recebendo um estatuto jurídico diferente. Isso corresponde, segundo Jorge Mello, à diferenciação entre “titularidade originária”, que concerne a todo aquele que cria, e “titularidade derivada”, que, de acordo com o autor do presente livro, ocorre “quando algumas das faculdades inerentes ao autor são transferidas a outras pessoas (físicas ou jurídicas)”.
Com base no direito moral que o autor porta sobre sua criação é possível apontar ganhos e perdas no rumo que a legislação vai tomando. Note-se que Jorge Mello não descreveu a prática de jurisprudência correspondente aos casos autorais, mas antes fez uma avaliação, valorativa segundo critérios normativos, da doutrina e da legislação. Há um certo “acordo” entre a nova legislação e a posição defendida como “correta” pelo autor do livro, a saber, a tendência à atribuição de direitos diferenciados para o criador da obra em relação àqueles que gozam de uma titularidade derivada da obra. Mas essa tendência ainda não se desenvolveu plenamente, muito menos adquiriu na legislação uma formulação inequívoca. Por diversos momentos Jorge Mello chama atenção para a inconsistência e mesmo contradições da lei. Essas críticas estão sempre apoiadas na categoria central e se referem à falta de linearidade presente nas mudanças da legislação ou ainda a detalhes inconsistentes de ordem puramente técnico-jurídica.
À primeira vista, a “titularidade” seria uma questão jurídica atrelada aos interesses de ordem econômica. E a grande maioria da bibliografia sobre direitos autorais parece corroborar essa tese. É inegável que muitos casos na área de direito autoral objetivam estabelecer os critérios da titularidade com a finalidade de definir apenas “para quem vai o dinheiro”. Contudo, Jorge Mello compreende a titularidade segundo o reconhecimento jurídico daquele que cria a obra. Esse reconhecimento jurídico é, por sua vez, também de ordem moral. A justificação moral que penetra no direito consiste na busca pelo reconhecimento da criação originária do autor. Parte de suas experiências, mesmo a personalidade de uma pessoa, pode estar em causa numa criação. Não tê-la reconhecida na obra que criou, além de causar danos de ordem financeira, pode gerar conseqüências desastrosas para sua própria autonomia e identidade. Segundo sua posição, podemos pensar os problemas relacionados à autoria entendendo como a nova legislação passou a reconhecer que os direitos morais estão atrelados às qualidades pessoais do autor.
Ainda que diluído muitas vezes nas particularidades das análises e interpretações, neste trabalho o “direito moral do autor” estabelece o critério de racionalidade presente na nova legislação autoral. Ele sintetiza e traduz para a legislação atual o “acordo e a discórdia na tradição autoral brasileira” (e me refiro aqui mais uma vez ao livro de Rita de Cássia Lahoz Morelli). Os encontros e desencontros da “letra” da lei estão permeados de “desacordos” no nível das disputas de grupos de interesses envolvidos. Por essa razão, a gênese que conduz à nova lei autoral parece indicar que, para muitas das demandas em torno dos direito autorais, o termo mais razoável para orientar as negociações pode estar na atribuição de titularidades agora ligada ao núcleo do “direito moral do autor”. Talvez ele pudesse ser “mais” racional em um duplo sentido: tanto por razões de coerência interna à composição sistemática das leis, como pela sua aceitabilidade maior para a solução de parte dos conflitos gerados pela legislação anterior.
Mas como esse critério estabelecido por meio do “direito moral do autor” está ainda muito ligado à positivação de um direito vigente (novo e “mais correto” em relação aos outros), dependemos da história para nos confirmar se essa aceitabilidade vai se manter ou não. As transformações sociais e tecnológicas com reflexo no campo autoral ocorrem mais rapidamente do que essa legislação pode antecipar e prever. Como muitos outros campos do direito, o direito autoral está fadado a uma mutação constante para poder absorver, ainda que post factum, as demandas necessitadas de regulamentação. Quando Jorge Melo diz que “só o futuro nos dirá” se esse reconhecimento do “direito moral do autor” irá se efetivar plenamente, é porque sabe das limitações do próprio direito quanto à previsibilidade dos casos a serem considerados. Mesmo para o caso da situação presente, regulada pela nova lei autoral, não há uma pesquisa abrangente que possa descrever como se comporta o judiciário frente às questões desse campo. Não sabemos se a lei autoral ainda nova está sendo seguida ou se a fundamentação da sentença dos juízes está ligada ao “direito moral do autor”, cuja exigência normativa é muito grande, podendo por isso ser facilmente desconsiderado nas contingências do processo de decisão judicial.
De todo modo, a nova legislação autoral pode ser interpretada de acordo com um critério que se definiu, hoje em dia, de forma mais clara. Neste livro encontra-se um esforço de sistematização e de coerência entre a “letra” da lei, a dogmática, e uma fundamentação racional que permite distinguir explicitamente a regulamentação “legítima” ou “ilegítima” das transações jurídicas desse universo complexo que o direito autoral procura organizar.

São Paulo, 14 de maio de 2005. 




[1] Sobre a participação de Jorge Mello nos movimentos e entidades para a proteção de direitos autorais, cf. Morelli, R. C. L. Arrogantes, anônimos, subversivos: interpretando o acordo e a discórdia na tradição autoral brasileira. Campinas, Mercado de Letras, 2000.
[2] Cf. o trecho “Was ist ein Buch?” da sua “Rechtslehre” in Die Metaphysik der Sitten. Bd. 8. Frankfurt/M, Suhrkamp, 1997.
[3] Larochelle, G. “De Kant a Foucault: o que resta do direito do autor?” in Filosofia política: nova série, 4, Porto Alegre, L&PM, 1999, p. 69.
[4] Idem, p. 72.


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