segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

NA ONDA DA NOVA MÚSICA

Na onda da nova música
Jorge Mello

Nos dias atuais, quando é possível com a utilização de computadores, o registro de músicas em um suporte físico ficou muito prático e fácil. Quase todo músico dispõe de um estúdio em casa, com essas ferramentas fruto da tecnologia. Bem diferente de outros tempos, não muito distantes, quando a aventura de gravar um álbum (disco), exigia um grande sacrifício. Em primeiro lugar só havia estúdios nos grandes centros como Rio e São Paulo, o que deixava o candidato a artista frente a uma aventura das mais difíceis e caras, principalmente os nordestinos, porque tinha que enfrentar uma viagem dispendiosa e difícil. No grande centro este profissional, com suas canções e sonho na bagagem, tinha de procurar um Produtor, figura que se tornava o responsável para resolver as questões que uma gravação contém (autorização dos autores, o GRA – hoje ISRC – e a providência da inscrição desse compositor iniciante numa associação de autores e intérpretes que seja membro do ECAD, e também a arregimentação dos músicos e por fim a roupagem de arranjos para as canções e ainda cuidava da sonorização atuando na mesa de som na busca de um melhor resultado final para a gravação). Por fim o Produtor cuidava também da tiragem industrial na fabricação do produto que era entregue ao artista que no final era quem pagava tudo. São essas as boas memórias de como andava a chamada “música independente”.
Mas foi a partir do aparecimento do movimento punk, que marcou o surgimento do rock de garagem, um rock que não exigia necessidade de estudo nem sobre música nem sobre técnicas do instrumento, feito por jovens com poucos recursos e utilizando uma estrutura básica e simples nas composições. Aí toda uma nova fase começou. Já não bastava só ser independente dos grandes grupos que dominavam o mercado da música (venda de discos e de shows). Agora a mudança era muito maior. Também não se exigiam registros em grandes estúdios e com tecnologia de ponta, porque o som, quanto mais sujo, melhor. Os registros de grande parte do som desses artistas se davam na própria garagem, gravados em equipamentos mais rudimentares resultando num som mais sujo e menos definido, mas caracterizando a revolta desses grupos de periferia, como uma forma de protesto contra os grandes grupos de gravadoras e grupos editoriais. Não bastava a música ser só de garagem, mas ela assumiu uma postura de movimento, adquirindo um caráter político, dotada de agressão e violência, rebatendo o rock comportado e cheio de passividade da época. Uma manifestação que trazia a linguagem simples tanto na música como na letra, cheia de deboche, sarcasmo, ironia e rebeldia. Os adeptos eram jovens da periferia das grandes cidades como São Paulo, que se reuniam em gangs, e eram vítimas de violência, do desemprego, da pobreza, e que não tinham locais para diversão, pobres, jovens, o que os levava a serem rebeldes.
Essa filosofia, esse compromisso há cerca de vinte anos chegou numa aventura encabeçada pelo Miltão, na época meu empresário, secretário, produtor, além de amigo, que enfrentando todo o sistema, levou um bando de jovens da periferia paulistana para umas performances na Av. Paulista, onde essas pessoas mostravam de forma rudimentar, seus textos poéticos, recitados sob a batida hipnótica de um instrumento e sob o som de LPs de outros artistas. Ali aparecia o rap paulistano, mais especificamente, Os Racionais MCs. Quatro rapazes que já venderam um milhão de cópias de seus CDs, sem terem suas presenças carimbadas nos programas populares da mídia televisiva. E apesar de terem atingido o sucesso, o grupo continua dedicando seu trabalho à periferia, preferindo os espaços como quadras de escolas de samba, a grandes teatros. Mas atingem de cheio a mente dos adolescentes, com seus textos diretos e denunciadores. Mano Brow adquiriu status de mestre da cultura hip-hop. E assim essa nova onda, representada por Mano Brow e Sabotage (este, um ex-presidiário e que teve uma morte ainda não explicada), é hoje a língua dos oprimidos, pelos traços de autêntica representação da cultura periférica brasileira. E não é justo que a imagem dos artistas que se dedicam a essa arte popular, tenham suas imagens identificadas com a imagem de marginais, pois esses artistas, repórteres do espaço e tempo em que vivem e atuam não poderiam falar de outra coisa que não seja fruto do que vêm. E com maestria revelam as cores desse espaço em suas criações. Viva a cultura popular.

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