PERFIL
O trovador eletrônico
26.08.2013
Figura fundamental da trajetória recente da música
do Ceará, Jorge Mello acumula histórias em décadas de carreira
Após um jogo de futebol, quase sempre, as imagens na mídia mostram o momento
triunfante do atacante, quando chutou com força direto para a rede. É ele quem
faz a torcida explodir em comemoração uníssona. Dificilmente, uma página de
jornal será estampada com o zagueiro, por exemplo, que até pode ter tido um
desempenho mais equilibrado ao longo de toda a partida. Marcações são
importantes, mas não tão lembradas quanto gols.
Jorge Mello, em
Fortaleza: um artista arredio às imposições das gravadoras FOTO: FABIANE DE
PAULA
A analogia futebolística descreve bem o caso do cantor e compositor cearense
Jorge Mello, que integrou a epopeia no Sudeste do chamado Pessoal do Ceará, na
década de 1970. Seu nome não é tão destacado em registros sobre o assunto
quanto o de Fagner, Belchior ou Ednardo. Mas sua atuação foi fundamental para
tornar esse capítulo um dos mais importantes da história cultural do Estado.
Certa distância dos holofotes, porém, não impediu que Jorge construísse uma
reputação de prestígio no meio, preservada até hoje. Sua passagem recente por
Fortaleza serve de prova. A viagem foi motivada pelo aniversário de 92 anos do
pai, negócios não estavam em pauta. Ainda assim, o artista atendeu a diferentes
solicitações de entrevista.
Além do prestígio alcançado por sua obra musical, há alguns anos Jorge também é
recordado por sua atuação no campo na área de direitos autorais e sua pesquisa
com cordel. Ao longo da carreira, explorou outros nichos no mercado fonográfico
além dos palcos, o que lhe permitiu manter-se em atividade fazendo o que gosta.
Como o lateral, que se reveza em diferentes funções a depender da situação do
jogo.
Nascido em Piripiri, Piauí, cedo Jorge Mello demonstrou aptidão para a música.
Ainda menino, enquanto o pai atendia fregueses na mercearia, mexia com os
acordeons à venda. Não demorou muito até começar a tocar no estabelecimento
para atrair clientes e a atender pedidos de apresentações.
Atento ao potencial do garoto, o pai possibilita-o estudar partituras. Aos 14
anos, ganhou um violão, instrumento que o acompanharia dali em diante. Certo da
escolha pela carreira artística, rumou a Teresina para continuar os estudos.
Paralelamente, ia em busca das rádios da cidade.
Fortaleza veio em seguida, para onde Mello se mudou com o objetivo de prestar
vestibular. Foi aprovado em Direito na UFC. Ao mesmo tempo, procurava os canais
locais de TV em busca de trabalho. Acabou convidado para produzir o "Gente
que a Gente Gosta", na TV Ceará, depois transformado em "Porque Hoje
é Sábado".
Em seguida, inserido no circuito da música e de festivais, Jorge conheceu
Fagner, Ednardo e outros nomes. "Todos eu levei para a TV. O Belchior eu
chamei para ser parceiro na produção do programa", diz. Ao mesmo tempo, os
novos amigos lhe apresentaram à vida boêmia em Fortaleza. Nesse roteiro, o Bar
do Anísio era ponto certo, onde todos se reuniam frequentemente. "Com o
sucesso do programa entraram patrocinadores, ficou um esquema mais
profissional. Em 1969, isso era inédito", conta Jorge.
"Passamos a convidar grandes artistas do Sudeste para se apresentarem,
como Erasmo Carlos e Jorge Ben, além de profissionais de TV, com o objetivo de
divulgar nosso trabalho. Numa dessas trouxemos a apresentadora Cidinha Campos,
do Rio", explica o músico. "Ela foi ao Anísio com a gente, conheceu
todo o pessoal e me convidou para trabalhar com ela no Rio. O Belchior foi na
frente, mandava notícias para alimentar o programa aqui e a gente enviava o
pagamento", lembra.
Na cidade maravilhosa, o músico trabalhou na produção do programa de Cidinha na
TV Tupi. Pouco depois, chegaram Fagner e Cirino. Enquanto isso, São Paulo
recebia Rodger Rogério e Téti, que formaram o grupo Pessoal do Ceará.
Os discos assinados
com o "L" dobrado: sucesso de crítica e diversificação de atividades
"Comecei a jogá-los nos espaços que eu tinha na TV. Até que em 1971 o
Belchior venceu o IV Festival Universitário da MPB com ´Na Hora do Almoço´´,
conta. No ano seguinte, foi a vez de Jorge, premiado no Festival Universitário
do Rio de Janeiro com a canção "Felicidade Geral", que lhe rendeu seu
primeiro contrato com uma gravadora, a Polygram. Entre 1971 e 76, as coisas
aconteciam para todos, em ritmos diferentes. Ednardo estourou com "Pavão
Misterioso"; Fagner fazia sucesso com composições cantadas por grandes
artistas (a exemplo de "Mucuripe", na voz de Elisa Regina); Belchior,
após um período de pouco destaque na Chantecler, estourou nacionalmente em 1976
na Polygram, com o álbum "Alucinação", que trazia sucessos como
"Apenas Um Rapaz Latino Americano", "Como Nossos Pais" e
"A Palo Seco".
No mesmo ano, Jorge lançou o disco "Besta Fera", à época eleito o
melhor do ano pelos jornais O Pasquim, Estadão e Jornal da Tarde. Em 1977, o
ele foi um dos cinco contratados pela Warner, recém-chegada ao País (ao lado de
Belchior, Hermeto Pascoal, Zezé Motta e As Frenéticas). Pela gravadora ele
lançou o álbum "Jorge Mello Integral", novamente eleito disco do ano
por publicações. Apesar do reconhecimento da crítica especializada, os trabalhos
de Jorge não tinham o mesmo impacto no grande público. A incompatibilidade
entre as convicções artísticas do cearense e a pressão das gravadoras para
decidir os rumos de sua criação levaram-no a recusar contratos e investir em
outros nichos do mercado. Paralelamente à realização de discos e shows, Jorge
já fazia jingles, trilhas sonoras para cinema e TV, produzia discos de outros
artistas e espetáculos de teatro. Foi dele, aliás, ainda em Fortaleza,
juntamente com Belchior, a concepção musical da segunda versão da peça "O
Morro do Ouro", adaptada e dirigida por Haroldo Serra.
Sucesso de público, que lotou o TJA, a obra ganhou vários prêmios no III
Festival de São José do Rio Preto, em 1971, e chegou a ser encenada no Rio e em
São Paulo. Na primeira metade da década de 1970, Jorge também concluiu os
cursos superiores de Composição e Regência e Licenciatura Plena em Música, que,
mais à frente, habilitaram-no a ensinar em algumas universidades. Trabalhava
ainda como maestro e arranjador. Nesse ínterim, mudou-se para São Paulo. Na
década de 1980 fundou com Belchior a Paraíso Discos, segundo ele a
"primeira gravadora independente" no Sudeste. A parceria com o
"rapaz latino-americano" também era profícua na composição.
"Belchior gravou 29 músicas minhas", recorda Jorge.
Após relativo sucesso, a parceria se desfez dez anos depois. Cada sócio ficou
com 50% do catálogo. "Escolhi meus nomes a dedo, sem considerar modinhas
da época. Queria o fino da coleção, de olho no futuro, na qualidade que
permanece", revela o cearense. A seleção incluía nomes como Bené Fonteles
e Egberto Gismonti.
Com o fim da sociedade, Jorge abriu a própria empresa, a JMT Produções.
Continuou trabalhando no mercado de trilhas, jingles e eventos. Paralelamente,
retomou o curso de Direito, que havia trancado antes de deixar Fortaleza.
"Quando surgiu uma nova lei para o direito autoral, muitos artistas vinham
me consultar. Foi quando percebi essa lacuna, que poderia investir nisso",
lembra. Além da atuação como advogado, exercida até hoje, o investimento na
carreira já levou a uma publicação, "Direito Autoral: da
Titularidade". Lado a lado na estante, aparece "A Medicina Popular no
Cordel: Meizinhas, Doenças e Curas" - esse, oriundo unicamente da
curiosidade de Jorge e de sua fascinação sobre cordel.
ADRIANA MARTINS
REPÓRTER
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