terça-feira, 24 de abril de 2012

Livro: DIREITO AUTORAL: DA TITULARIDADE

Apresento a parte final de meu livro: DIREITO AUTORAL: DA TITULARIDADE
Assim o trabalho publicado está disponível para leitura. 


6 –  DAS OBRAS ANÔNIMAS  E PSEUDÔNIMAS:

     A Constituição Federal de 1988 proíbe o anonimato (art.5º, IV), mas o artigo 5º da Lei 9.610/98 o considera quanto aos co-autores.

     Vejamos como trata do assunto a Constituição Federal:

     “Art. 5º  Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito a vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
     (...)
     IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;”

     Agora vejamos como trata o tema a Lei 9.610/98:

     “Art. 5.  Para efeitos desta Lei, considera-se:

     VIII. Obra:
      b) anônima - quando não se indica o nome do autor, por sua vontade ou por ser desconhecido;
      c)   pseudônima - quando o autor se oculta sob nome suposto;”

Obra anônima é aquela que é divulgada sem indicar o nome ou pseudônimo de seu autor. Os direitos patrimoniais são de quem as publica, como indica a lei:


     “Art. 40.  Tratando-se de obra anônima ou pseudônima, caberá a quem publicá-la o exercício dos direitos patrimoniais do autor.
     Parágrafo único. O autor que se der a conhecer assumirá o exercício dos direitos patrimoniais, ressalvados os direitos adquiridos por terceiros”.


     Não confundir obra anônima ou pseudônima com obra de autor desconhecido, porque as obras destes, pertencem ao domínio público (art. 45, II). Vejamos:

    “Art. 45. Além das obras em relação às quais decorreu o prazo de proteção aos direitos patrimoniais, pertencem ao domínio público:

     I  -  as de autores falecidos que não tenham deixado sucessores;

     II  -  as de autor desconhecido, ressalvada a proteção legal aos conhecimentos étnicos e tradicionais.”

     A titularidade da obra com pseudônimo acontece quando o titular dos direitos sobre sua obra transfere essas faculdades que são exercidas por um terceiro, pessoa física ou jurídica, que a publica com o consentimento do titular do direito. O terceiro deve abster-se de revelar o nome de seu mandante por não ser nem titular originário nem o derivado. O autor que usa pseudônimo conserva a possibilidade de revelar sua identidade a qualquer momento e assim exercer seus direitos de autor. Porque os direitos inerentes ao anônimo ou a pseudônimo formam parte de seu direito moral, assim como a paternidade da obra. Para isso não se faz necessário que se produza uma retrocessão dos direitos de terceiro.

     Diz o parágrafo único do artigo 40 que o autor, dando-se a conhecer, assumirá o exercício dos direitos autorais, ressalvados os direitos adquiridos por terceiros. “Cabe indagar como terceiros poderão adquirir direitos sobre obras cuja autoria é desconhecida”[1]. A autorização do autor é indispensável para a sua utilização. Nesse caso,  “parece irrazoável que terceiro venha a adquirir, legitimamente, os direitos do autor desconhecido”[2]. A Lei 9.610/98 é omissa quanto a dizer como o autor desconhecido dará seu consentimento.

          Parece uma contradição entre o que nos ensina o artigo 40 apresentado acima, com o que estipula o artigo 53, Parágrafo Único letra “a”, porque este parece não contemplar a publicação anônima, oculta ou pseudônima.

        “Art. 53. Parágrafo único.  Em cada exemplar da obra o editor mencionará:

a)      o título da obra e seu autor;”

        A mesma observação fazemos para o caso de publicação de obra de autor desconhecido. Como fica? Como o editor nesses casos cumprirá a lei?



7 - DAS OBRAS AUDIOVISUAIS

     As obras audiovisuais são obras coletivas organizadas por pessoa física ou jurídica mas que têm a participação de vários co-autores. A Lei entende que se trata de obra em co-autoria, conforme nos ensina o artigo 81, §2º, II.

     “Art.  81. (...)

     § 2º  Em cada cópia da obra audiovisual, mencionará o produtor:

     II  -  os nomes ou pseudônimos do diretor e dos demais co-autores;”

      Os direitos morais gerados por esse tipo de obra pertencerão apenas ao diretor conforme preceitua o artigo 25 do mesmo documento legal:

      “Art. 25. Cabe exclusivamente ao diretor o exercício dos direitos morais sobre a obra audiovisual”.

      Se os direitos dos co-autores são exercidos de comum acordo, considerando-se o que prescreve o artigo 25, “concluímos que os co-autores só podem exercer os direitos morais sobre a obra intelectual se ela não for uma obra audiovisual”[3].

     As obras audiovisuais compreendem as cinematográficas e videográficas, que são as que têm maiores dificuldades para se determinar os titulares dos direitos de autor. São obras  complexas, em cuja realização se ocupam grande número de criadores, artistas e técnicos. Dentre eles: o autor do texto, da adaptação (no caso de um trabalho sobre obra preexistente, como novela, livro, teatro), o autor dos diálogos, da música, o diretor, os atores, o cenógrafo, coreógrafo, diretor de fotografia, o sonoplasta, o montador e o produtor, além de outros. O produtor da obra  goza de garantias quanto à exploração de suas produções. Produtor é a pessoa física ou jurídica que assume a responsabilidade e a iniciativa da realização da obra.

     As duas correntes já estudadas assim compõem as maneiras de ver  e de solucionar os problemas da titularidade das obras audiovisuais:

a)      O  sistema que se denomina de film – copyright do produtor – daqueles países que atribuem ao produtor a condição de autor e a titularidade originária do direito de autor, sem reconhecerem como autores os demais participantes da confecção da obra audiovisual. São eles, os Estados Unidos da América e o Reino Unido, embora nesse se atribua o direito moral ao diretor.

b)      O sistema dos países de tradição jurídica continental européia ou latina, onde se considera que somente as pessoas físicas que tenham participado da criação da obra podem ser autores e titulares originários de direitos autorais.

Para que o produtor possa explorar a obra algumas legislações estabelecem em seu favor uma cessão legal de pleno direito- cessio legis – de direitos patrimoniais ou a instituição de uma presunção legal de cessão ou ainda uma presunção legal de legitimação.

Para entendermos melhor a questão basta observar o que acontece nos Estados Unidos, com referência à indústria cinematográfica. Como aquele país adota o sistema do copyright, a pessoa jurídica goza de regalias próprias de autor. De acordo com as leis daquele país, o direito de autor sobre obra protegida corresponde originariamente ao autor ou autores da obra, mas também dá ao empreendedor ou qualquer outra pessoa para quem a obra foi preparada essa mesma categoria. Nesse sistema, quando autores criam obras em virtude de um contrato de trabalho para a produção cinematográfica, considera-se o empreendedor, o produtor, como titular originário do direito de autor.

Aqui no Brasil por sua vez, havia uma compreensão da figura do produtor com base na Lei 5.988/73 e há outra leitura agora com a nova Lei 9.610/98. Na lei anterior tínhamos o produtor como co-autor, e co-autor é autor, logo titular original dos direitos autorais patrimoniais e morais. Vejamos o artigo 16 da Lei 5.988/73:

     “Art. 16. São co-autores da obra cinematográfica o autor do assunto ou argumento literário, musical ou lítero-musical, o diretor e o produtor”.

     A Lei 9.610/98 não reconhece o produtor como autor mas tão somente apenas como responsável,  empresário, aquele que financia a obra cinematográfica, logo, não cria nada e no mais das vezes é pessoa jurídica.

     Na Lei 9.610/98 assim aparece a questão:
     “Art. 16. São autores da obra audiovisual o autor do assunto ou argumento literário, musical ou lítero-musical e o diretor”.

     Desapareceu no novo ordenamento a figura do produtor como autor. É que nesse movimento pendular que a legislação vem fazendo entre as duas correntes reconhecidas pela Convenção de Berna, o legislador brasileiro pendeu acertadamente para o lado dos que reconhecem no direito autoral um direito subjetivo baseado no direito moral.

     O artigo 25 da Lei, 9.610/98 atribui ao diretor o exercício dos direitos morais sobre a obra audiovisual, mas não define, nem identifica o diretor como o faz no artigo 5º com a figura do produtor.

     “Art. 5º . Para os efeitos desta lei, considera-se:

     XI  -  produtor  -  a pessoa física ou jurídica que toma a iniciativa e tem a responsabilidade econômica da primeira fixação do fonograma ou da obra audiovisual, qualquer que seja a natureza do suporte utilizado;”

     Surge uma questão levantada por SANCHES: “durante a vigência da Lei n. 5988/73 ‘o produtor’ era co-autor, tendo adquirido direitos que lhe correspondiam. A partir da vigência da nova lei o produtor deixará de ser co-autor de obras cinematográficas ou assemelhadas que tenha produzido na vigência da Lei n. 5.988/73?”[4].

      O problema da titularidade do produtor está presente nas produções cinematográficas e videográficas anteriores à lei autoral vigente. O produtor deverá permanecer como titular dos direitos patrimoniais e morais daquelas obras, mas essa orientação, tão em harmonia com a corrente do copyright, tinha, mesmo alguns anos antes da promulgação da lei, oposição de parte da doutrina. Alguns doutrinadores sempre entenderam que ao diretor se reservava essa titularidade até então inerente ao produtor. Vejamos o pensamento do Ascensão:

     “Se o autor é, originariamente, o criador intelectual,  forçoso é reconhecer que criador intelectual da obra cinematográfica é um só: o diretor. O autor do argumento produziu tão-somente uma obra literária, musical ou litero-musical, consoante os casos. O produtor não é mais que um empresário, e a sua inclusão obedece apenas às conveniências da indústria cinematográfica, e de modo algum a consideração própria da criação intelectual”[5].









 8 - DAS OBRAS ENCOMENDADAS:

     Acontece esta particularidade quando encomendamos ao autor determinada obra mediante certa remuneração. O autor contratado executa o trabalho livremente e o contratante utiliza a obra na forma estipulada.

     Pelo entendimento do artigo 36 da Lei 5.988/73  criava-se uma forma de co-autoria quando esta tratava de obra feita por encomenda. Esse termo “obra por encomenda” é um termo genérico para se conhecer a obra produzida em cumprimento de um dever funcional, ou de prestação de serviços. Mas vendo-se de maneira mais rigorosa, resultaria de um contrato de empreitada e não de um contrato de prestação de serviços. Não confundir com obra criada em virtude de contrato de trabalho, uma vez que a obra por encomenda não origina uma relação trabalhista. Na primeira, o autor é assalariado. A Lei 5.988/73 não decidia de quem é o direito, não determinando a titularidade desse tipo de obra, atribuindo os direitos a ambos os sujeitos: encomendante da obra e criador da obra, e remetia a solução das dificuldades para o Conselho Nacional de Direito Autorais  (CNDA).

     O assunto da titularidade de obra por encomenda é muito polêmico, pois durante o processo de criação da Lei 5.988/73 houve grandes dificuldades oriundas do conflito entre a proposta do Governo e a do Congresso, resultando num texto de orientação indefinida.

     A Lei 9.610/98 recepcionou parte daquela anterior mas, como já mencionado, o relator Senador Tuma retirou de última hora o ponto nevrálgico da questão eliminando a possibilidade da pessoa jurídica ser titular de todo o universo dos direitos autorais, sobrando para estas a titularidade dos direitos patrimoniais, destinando os direitos morais somente para aquele que é o criador da obra, logo, pessoa física.

    Na prática,  quando ainda sob a regência da Lei 5.988/73 o autor renunciava a certas faculdades em benefício da pessoa que o contratava. O autor, ao contratar, comprometia-se a atender certas finalidades. Seria um contra-senso se este reservasse para si simultaneamente direitos que impedissem ou prejudicassem a obtenção daquelas finalidades. Ao encomendante reservavam-se direitos próprios ao atendimento da finalidade pretendida.

     O direito do encomendante tem um  limite, ao passo que o do autor é universal porque abrange todas as faculdades que não foram retiradas e atribuídas ao primeiro. O autor pode  utilizar a obra fora da finalidade específica do encomendante. Tudo o que sai da finalidade da encomenda pertence ao autor. A este cabe fazer uso dos seus direitos de maneira que não prejudique a utilização da obra por parte do encomendante.

     Esse assunto adquiriu grande importância com o  desenvolvimento dos veículos de comunicação de massa (grandes editoras, grandes empresas jornalísticas, redes de rádio e televisão, produtoras fonográficas, cinematográficas e videográficas) com distribuição nacional e internacional.

     Os autores e demais titulares de direitos autorais necessitam se relacionar contratualmente com tais empresas para publicação, difusão e exploração de suas respectivas obras.

     É importante que se tenha em mente que “... a complexidade dessas relações jurídicas estabeleceu um sério conflito entre as partes interessadas. Produtoras, anunciantes e muitas vezes, agências de publicidade reivindicam cada um para si, a paternidade da obra e a exclusividade de seus direitos autorais”[6]

     Não tem cobertura legal a transferência dos direitos do criador para essas empresas. Posicionamentos cooperativistas como estes são reivindicações que ignoram os direitos do criador e procuram alcançar ilegalmente o controle sobre a exploração econômica de suas obras.

     A lei anterior, no  artigo 36, dizia que “se a obra for produzida em cumprimento a dever funcional ou a contrato de trabalho ou de prestação de serviços, os direitos de autor, salvo convenções em contrário, pertencerão a ambas as partes, conforme for estabelecido pelo Conselho Nacional de Direitos Autorais”.

     Devemos interpretar esse artigo apenas dentro dos limites dos direitos patrimoniais de exploração da obra, o que não implica colocar em discussão a titularidade dos direitos morais de autor, que são direitos indissociáveis da pessoa de seu autor e inalienáveis e irrenunciáveis por imperativo legal.

     O interesse econômico comum entre autor e empresa contratante ou encomendante não poderá resultar na quebra da tutela constitucional.

     Pelo exposto, não sofre restrição alguma o direito de autor em benefício de quem encomenda a criação de alguma obra, seja ela feita ao compositor, ao diretor cinematográfico ou ao fotógrafo.

     Nesses contratos estão presentes obrigações limitadas tal como a remuneração, prazo, mas não há qualquer implicação de cessão de direitos. A utilização da obra ou interpretação se limitará ao tempo e às condições autorizadas previamente e por escrito pelos titulares originários, mas não sofrem qualquer restrição à titularidade e ao exercício dos seus direitos exclusivos e consagrados na Constituição.

     O artigo 4º da Lei 9.610/98 reproduz textualmente o artigo 3º da lei anterior estabelecendo  interpretação restritiva aos negócios jurídicos sobre direitos autorais onde, mesmo havendo autorização “do titular, esta só pode ser entendida a título temporário e limitada ao objetivo imediato da encomenda...”[7].



     “Art. 4º . Interpretam-se restritivamente os negócios jurídicos sobre direitos autorais.”



     Na visão dos países que seguem o sistema unionista entende-se que mesmo a criação tendo surgido por iniciativa de terceiro, através de contrato ou de vínculo empregatício, a titularidade é do criador. Ao encomendante resta “apenas para efeitos patrimoniais, certos direitos referentes à obra encomendada e nos limites definidos na lei ou na avença, conforme os casos”[8].

     Por outro lado o sistema anglo-norte-americano reconheceu originalmente ao encomendante os direitos sobre a obra encomendada. São peculiaridades desse regime  a objetividade, a exigência do registro, criando o vínculo de propriedade aos direitos autorais e a não previsão do direito moral. Essa posição opera verdadeira substituição na titularidade de direitos. Atinge de cheio a base do direito de autor que é o direito moral. Portanto não é admitido no regime unionista, o qual segue o Brasil. Mas um fato foi fundamental para que o sistema anglo-norte-americano passasse a ter grande importância para todo o universo do direito autoral. Trata-se do ato de adesão dos Estados Unidos à União de Berna. Após essa adesão, o regime de direito autoral por estes adotado passou a ser previsto na legislação subsequente.

     Na prática, a diferença dessas orientações se dá com  o seguinte entendimento: o encomendante pode, no que diz respeito ao direito patrimonial (no sistema unionista), adquirir certos direitos pecuniários por força da encomenda, já que orienta as circunstâncias da elaboração da obra no resultado final do trabalho intelectual, mas respeitando sempre o vínculo existente entre ele e o elaborador, assim como o uso que se fizer da criação.

     Se for para uso próprio, adquire o encomendante apenas a propriedade do corpus mechanicum, podendo usar a obra na finalidade específica. Por exemplo, adquirir uma pintura para enfeitar um ambiente, encomendar uma música  para integrar um jingle publicitário de um produto, etc.

       O direito do encomendante reduz-se a essas utilizações. Permanece pois no acervo patrimonial do autor outras modalidades de aproveitamento não contratadas. Pode o autor por exemplo, em querendo, utilizar, usufruir da sua criação, em outra modalidade de aproveitamento fora do âmbito do contrato que firmou com o encomendante.

     O encomendante não pode fazer qualquer outra utilização sem prévia consulta ao autor a não ser por força de lei, de contrato próprio, ou das circunstâncias da declaração, que o levem a ter outros direitos sobre a obra. O encomendante tem seu direito reduzido aos usos contratados.





8.1 A titularidade na obra resultante de prestação de serviços:

 
     Existem três situações com efeitos diversos quando tratamos de obras executadas por força de contrato de prestação de serviços, são elas:

a)      Se o autor  executa a obra sem ajuda e o encomendante apenas sugere o tema ou solicita a criação, os direitos autorais de cunho moral pertencem ao criador e os direitos patrimoniais sujeitam-se aos termos do ajuste (que pode abranger uma finalidade definida ou não);

b)      Se o encomendante colabora em sua consecução, é obra em colaboração e, nesse caso, os direitos pertencerão a ambos;

c)      Se o encomendante dirige o trabalho do elaborador (obra dirigida), nesse caso o verdadeiro autor é o encomendante, o único titular. Os que executam o trabalho mecânico não têm direitos autorais,    remuneração ajustada pelo trabalho.

          



9 - DAS OBRAS FEITAS EM VIRTUDE DE CONTRATO DE TRABALHO

 
     A titularidade das obras feitas em virtude de contrato de trabalho apresenta dificuldades originadas do choque entre os princípios do direito do trabalho e aqueles que regem o direito de autor.

      Na relação trabalhista, o resultado do trabalho do empregado é do empregador em contraprestação ao salário pago. Mas tratando-se de matéria autoral, o direito moral é inalienável e, como tal,  a cessão assim como a concessão ou  licença de direitos patrimoniais è limitada às formas de exploração que  constam de contrato.

     Os países que seguem o sistema unionista preservam os direitos morais do criador e transferem por força da remuneração de trabalho intelectual os direitos patrimoniais para o empregador correspondente à utilização dentro da finalidade de sua atividade. Esses países de tradição jurídica latina, que defendem o princípio de que o autor é a pessoa física que cria a obra, não aceitam que a autoria possa ser atribuída ao empregador.

     Isso quer dizer que a produtora de televisão adquire direitos pecuniários para a transmissão de novela criada por intelectual assalariado. O mesmo acontece com a empresa jornalística com respeito aos artigos escritos pelos jornalistas que para ela trabalham. Esses empregados são detentores dos direitos morais de autor.

     Com o criador, além dos direitos morais, permanecem todos os demais direitos patrimoniais não alcançados pela finalidade do compromisso funcional:

     “En los países de economia planificada también se reconoce al autor asalariado como titular originario del derecho de autor”[9].

     A empresa de televisão não pode, sem autorização dos autores, extrair novas cópias e locá-las ou vende-las para exibição, assim como também a empresa jornalística não pode publicar determinada matéria que saiu em seu jornal em outros veículos, ou ainda a empresa cinematográfica pegar parte de seu filme para uma campanha publicitária ou ceder essas imagens para outras finalidades que não o filme, salvo se o titular, que é o criador, transferir por meio de contratos adequados outros direitos de maneira restrita cuidando para que não sejam feridos os direitos morais de autor.

     Nos países que  se orientam pelo copyright, o empregador é considerado autor pelo efeito da aquisição da titularidade originária que este instituto representa.

     Na produção de publicidade, todas as participações incluídas em peça publicitária têm seu direito reconhecido. Esses direitos são conferidos aos criadores de obras individualizadas (anúncios, cartazes, jingles, filmes, fotos, spots, slogans, e outros) sem prejuízo dos direitos da empresa que realizou a obra final. A titularidade de obra publicitária é dos criadores, da agência e da produtora.

     Há portando casos em que cabem os direitos sobre a obra final (o anúncio pronto visto no conjunto), que é da agência, ou da produtora, coexistindo com os direitos dos autores de obra individualizada ou individualizável que a integre como os do autor do texto, da música, da foto etc.    

     Quanto aos direitos morais do autor empregado que produz obra para terceiro, pode ele a qualquer momento dar a conhecer sua paternidade intelectual sobre a obra, mas poderá indenizar o empregador em caso de abuso ao revelar-se.





10 - DIREITOS PATRIMONIAIS  E DIREITOS MORAIS:

 
     O direito de autor não se esgota em assegurar ao criador a possibilidade de obter benefícios econômicos pela exploração da obra. Esse direito protege sobretudo suas relações intelectuais e pessoais com a obra e sua utilização.

        Segundo o ensinamento da Lei 9.610/98, pertencem ao autor dois direitos distintos. Os direitos patrimoniais e os direitos morais, conforme o texto do artigo 22:


       “Art. 22. Pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou.”


 
10.1 Direitos Patrimoniais:

         Os direitos patrimoniais são os proventos possíveis de serem auferidos pelo autor. São aqueles referentes à utilização da obra. O direito patrimonial é “o aspecto do direito intelectual que tem o autor, durante sua vida, de exclusivamente utilizar, fluir, dispor e de autorizar sua utilização ou fruição por terceiros, no todo ou em parte, e obter dela um proveito pecuniário[10].

         São características básicas dos direitos patrimoniais: o cunho real ou patrimonial, o caráter de bem móvel, a alienabilidade, a temporaneidade, a penhorabilidade e a prescritibilidade. Compete ao autor e a seus herdeiros os direitos de utilizar, fruir, e dispor da obra, ou autorizar sua utilização ou fruição por terceiros no todo ou em parte.

          Vejamos o entendimento da Lei 9.610/98:

 
    “Art. 28. Cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica”.


     Apesar da lei se referir a “direito exclusivo”, há controvérsia nesse entendimento. O direito patrimonial do autor consiste no direito de utilizar, fruir e dispor da obra, bem como autorizar a sua utilização e fruição por outros. Na realidade, não se pode falar em direito de utilizar restrito ao autor, pois uma vez quebrado o inédito qualquer um  pode utilizar a obra. O que há são formas de utilização reservadas ao autor. Mas é interessante frisar que nem todas as formas de utilização são exclusivas do autor. A Lei enumera uma série de situações que são exceções a esse princípio. São situações que independem de autorização do autor para a utilização de obra de sua autoria. Não está reservada ao autor porque não depende necessariamente de autorização dele a reprodução em numerosos casos em que não constitui ofensa aos direitos de autor a sua utilização por terceiros, como aqueles previstos no art. 46 da Lei 9.610/98, por exemplo, as publicações em braile,  publicações de pequenos textos de obra com finalidades de estudo, crítica ou polêmica. Enfim, a lei aponta uma infinidade de utilizações que não ferem os direitos autorais. Vejamos:

 
       “Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais:

       I  -  A reprodução:

       a) na imprensa diária ou periódica, de notícia ou de artigo informativo, publicado em diários ou periódicos, com a menção do nome do autor, se assinalados, e da publicação de onde foram transcritos;

       b) em diários ou periódicos, de discursos pronunciados em reuniões públicas de qualquer natureza;

       c) de retratos, ou de outra forma de representação da imagem, feitos sob encomenda, quando realizada pelo proprietário do objeto encomendado, não havendo a oposição da pessoa neles representada ou de seus herdeiros;

       d) de obras literárias, artísticas ou científicas, para uso exclusivo de deficientes visuais, sempre que a reprodução, sem fins comerciais, seja mediante o sistema Braile ou outro procedimento em qualquer suporte para esses destinatários;

       II  -  a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro;

       III  -  a citação em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de comunicação, de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor e a origem da obra;

       IV  -  o apanhado de lições em estabelecimentos de ensino por aqueles a quem elas se dirigem, vedada sua publicação, integral ou parcial, sem autorização prévia e expressa de quem as ministrou;

       V  -  a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas, fonogramas e transmissão de rádio e televisão em estabelecimentos comerciais, exclusivamente para demonstração à clientela, desde que esses estabelecimentos comercializem os suportes ou equipamentos que permitam a sua utilização;

       VI  -  A representação teatral e a execução musical, quando realizadas no recesso familiar ou, para fins exclusivamente didáticos, nos estabelecimentos de ensino, não havendo em qualquer caso intuito de lucro;

       VII  -  A utilização de obras literárias, artísticas ou científicas para produzir prova judiciária ou administrativa;

       VIII  -  A reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras preexistentes, de qualquer natureza, ou de obra integral, quando de artes plásticas, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores.”


 
          Também o artigo 8ª enumera aquelas criações que não são objeto de proteção como direitos autorais de que trata a Lei 9.610/98 (por exemplo, os textos de tratados ou convenções, de leis, decretos, regulamentos, assim como os nomes e títulos isolados, etc.).

 
       “Art. 8º . Não são objeto de proteção como direitos autorais de que trata a esta lei:

       I  -  as idéias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitos matemáticos como tais;

       II  --  os esquemas, planos ou regras para realizar atos mentais, jogos ou negócios;

       III  -  os formulários em branco para serem preenchidos por qualquer tipo de informação, científica ou não, e suas instruções;

       IV  -  os textos de tratados ou convenções, leis, decretos, regulamentos, decisões judiciais e demais atos oficiais;

       V  -  as informações de uso comum tais como calendários, agendas, cadastros e legendas;

      VI  -  os nomes e títulos isolados;

       VII  -  aproveitamento industrial ou comercial das idéias contidas nas obras.”


 
       Pelo exposto, entendemos que em resumo, é reservado ao autor o tipo de utilização que tenha lucro.

       O autor pode autorizar a fruição por terceiros assim como transferir direitos ou conceder licenças a estes. O beneficiário, por sua vez, pode autorizar outros a utilizar a obra. Nesse caso, o autor passa a fruir através dessas autorizações.

  
    10.2 – Direitos morais

          Os direitos morais, diferentemente dos direitos patrimoniais,  devem ser compreendidos de um outro modo, por tratar-se de outro direito (não confundir com danos morais, que são passíveis de serem buscados, sempre que os direitos patrimoniais e morais do autor forem agredidos). O direito moral norteou toda a nova legislação autoral, assim como as convenções internacionais. São direitos inerentes à pessoa do criador, garantindo o diferencial entre as duas correntes aceitas internacionalmente no direito autoral, formando o liame entre o autor e sua obra. Vejamos o presente conceito de direitos morais:

 
         ”De início, são direitos de natureza pessoal, inserindo-se nessa categoria direitos de ordem personalíssima; são também perpétuos ou perenes, não se extinguindo jamais; são inalienáveis, não podendo, pois, ingressar legitimamente no comércio jurídico, mesmo se o quiser o criador, pois deles não pode dispor; são imprescritíveis, comportando, pois, exigência por via judicial a qualquer tempo; e, por fim, são impenhoráveis, não suportando, pois, constrição judicial (a lei fala em inalienabilidade e irrenunciabilidade, art. 28, realçando, em outro passo, a incessibilidade dos direitos, art. 52, Parágrafo único).”[11].

            Note-se que há uma clara referência a um direito pessoal do autor e não a um direito reservado à obra. Diferença que já estudamos acima quando da diferenciação entre “direito da coisa” e “direito da personalidade” em Kant. Somente o segundo é garantia da autonomia do autor,

 
            Continua  Bittar: “Daí, eventuais contratos que envolvam esses direitos, serão por ofensa às normas de ordem pública que os regem, despidos de qualquer eficácia, submetida, então, à própria vontade do titular.

            Além disso, esses direitos são transferíveis por sucessão, à exceção dos ligados à própria pessoa do titular (na lei, ficam compreendidos, dentre os últimos, os de modificação e de retirada de circulação)”[12]. 
         O direito moral do autor, segundo Pimenta, “É um direito que consiste na expressão da personalidade do autor”[13]

          Pimenta também nos propõe a seguinte caracterização dos direitos morais do autor:

          “Os direitos morais do autor caracterizam-se basicamente pela: Pessoalidade; Inalienabilidade; Perpetuidade; Imprescritibilidade; Impenhorabilidade e Incessibilidade. Consubstanciam basicamente em: direito a paternidade e direito a integridade da obra.”[14]

 
          Vejamos a Lei 9.610/98 no que diz respeito aos direitos morais de autor, citemos os artigos em que são enumerados esses direitos e  aqueles que tratam de sua inalienabilidade e de sua irrenunciabilidade, assim como aqueles onde  é tratada a sua transmissão:

 
              Capítulo II – DOS DIREITOS MORAIS DO AUTOR

 
            Art. 24. São direitos morais do autor:

         I – o  de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra;

         II -  o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra;

         III – o de  conservar a obra inédita;

         IV – o de assegurar a integridade, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la, ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra;

         V – o de modificar a obra, antes ou depois de utilizada;

         VI – o de retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização implicarem afronta à  sua reputação e imagem;

         VII – o de ter acesso a exemplar único e raro da obra, quando se encontre legitimamente em poder de outrem, para o fim de, por meio de processo fotográfico ou assemelhado, ou audiovisual, preservar sua memória, de forma que cause o menor inconveniente possível a seu detentor, que, em todo caso, será indenizado de qualquer dano ou prejuízo que lhe seja causado;

         § 1° Por morte do autor, transmitem-se a seus sucessores os direitos a que se referem os incisos I a IV.

         § 2°  Compete ao Estado a defesa da integridade e autoria da obra caída em domínio público.

         §    Nos casos dos incisos V e VI, ressalvam-se as prévias indenizações a terceiros, quando couberem.          

          Art. 27. Os direitos morais do autor são inalienáveis e irrenunciáveis.

                      
          Art. 49. I – a transmissão total compreendem todos os direitos de autor, salvo os de natureza moral e os expressamente excluídos por lei;”

 
         Na nova Lei autoral, o legislador preferiu dizer que os direitos morais e patrimoniais, “pertencem ao autor” (art. 22 da Lei 9.610/98), e não repetir o que estipulava a lei anterior (art. 21 da Lei 5.988/73),  que  o autor é titular dos direitos morais e patrimoniais.

         Os direitos morais são indisponíveis. O autor não pode ceder a autoria ou parte dela porque o artigo 27 da Lei 9.610/98 os declara inalienáveis e irrenunciáveis. A inalienabilidade de  que trata esse artigo não significa apenas que o bem não  pode ser vendido, mas que não pode passar para a titularidade alheia. Ele será sempre do autor. Mas devemos observar que são direitos  transmissíveis por “causa-mortis” aos sucessores do autor. O dispositivo legal demonstra que os direitos morais são qualidades pessoais do autor, sobre a obra intelectual. Qualidades estas, transmissíveis aos herdeiros. Mas essa transmissão “causa- mortis” tem limitações, regidas pelo que prega o § 1º do referido artigo. Não se transmitem aos herdeiros, por exemplo, o direito de modificar a obra, direito exclusivo apenas do autor. Só mesmo o autor pode decidir sobre a modificação de sua obra. Mesmo o contrato de cessão já estudado anteriormente não transmite o direito de modificar a obra.

         Do que foi exposto, podemos apresentar pelo menos  quatro caracteres do direito moral:

a)      essencial - porque contém um mínimo de direitos exigidos em virtude do ato de criação de uma obra;

b)      extrapatrimonial- não é medido em dinheiro, embora produza indiretamente conseqüências patrimoniais. Ex: Uma obra de um autor de prestígio, tem resultado patrimonial maior dado ao seu reconhecimento;

c)      unido à posse do criador - o autor o conserva por toda a sua vida. Depois de sua morte, algumas faculdades ainda são exercidas pelos seus herdeiros;

d)  absoluto - porque é oponível “erga omnes”, no que permite ao titular enfrentar a todos, inclusive àquele que recebe os direitos patrimoniais sobre a obra, por contrato.

     Por isso se diz que o direito moral é inalienável e irrenunciável. É também imprescritível, porque está fora do comércio. É um direito inerente à qualidade de autor.



11 - DIREITOS CONEXOS

     Os direitos conexos surgiram ao apurar-se que a fabricação do suporte (CD e disco), a emissão radiofônica e o trabalho do artista intérprete ou executante são dignos da mesma proteção conferida ao autor. Essas atividades destacaram-se da esfera de ação do autor originário e adquiriram autonomia própria  conexa ao direito autoral e passível de proteção.

     Na luta pela titularidade, as indústrias fonográficas conseguiram se impor como titulares de direitos autorais  sobre obras musicais, criando suas próprias editoras. Na Convenção de Roma de 1960, impuseram-se internacionalmente como titulares de direitos próprios sobre fonogramas chamados de direitos conexos ao direito de autor e extensivos aos intérpretes e aos músicos executantes de obras gravadas.

     A Lei 9.610/98 seguiu essa orientação internacional:

 
         “Art. 89. As normas relativas aos direitos de autor aplicam-se, no que couber, aos direitos dos artistas intérpretes ou executantes, dos produtores fonográficos e das empresas de radiodifusão.

         Parágrafo único. A proteção desta Lei aos direitos previstos neste artigo deixa intactas e não afeta as garantias asseguradas aos autores das obras literárias, artísticas ou científicas”.

         O legislador brasileiro inseriu em nossas  leis regras proclamadas na Convenção de Roma  (Decreto 57.125/65, art. 1º), em que protegia sob o rótulo de “direitos conexos” aos artistas, executantes, produtoras de fonogramas e organismos de radiodifusão. A Lei 9.610/98 no parágrafo único do artigo 89 diz que a proteção aos direitos previstos neste artigo deixa intactas e não afeta as garantias asseguradas aos autores das obras literárias, artísticas ou científicas. Mas está  claro que os direitos conexos disputam a remuneração antes só dos autores. O bolo resultante da arrecadação de direitos autorais deve ser repartido entre titulares de diversas espécies e, com toda certeza aos autores, únicos beneficiários até então, cabem fatias menores.

         A Lei 9.610/98 estende sua proteção à voz e à imagem dos artistas e dos executantes por meio dos direitos autorais, como direitos conexos aos direitos dos autores. Aparece textualmente um direito autoral sobre a voz e sobre a imagem.

 
          “Art. 90. Tem o artista-intérprete ou executante o direito de,  a título oneroso ou gratuito, autorizar ou proibir:
        I  -  a fixação de suas interpretações ou execuções;

        II -  a reprodução, a execução pública e a locação das suas interpretações ou execuções fixadas;

        III  -  a radiodifusão das suas interpretações ou execuções, fixadas ou não;

        IV  -  a colocação à disposição do público de suas interpretações ou execuções, de maneira que qualquer pessoa a elas possa ter acesso, no tempo e no lugar que individualmente escolherem;

       V  -  qualquer outra modalidade de utilização de suas interpretações ou execuções;

       § 1º  -  Quando na interpretação ou na execução participarem vários artistas, seus direitos serão exercidos pelo diretor do conjunto;

       § 2º  -  A proteção aos artistas intérpretes ou executantes estende-se à reprodução da voz e imagem, quando associadas às suas atuações.”

 
         O artista pode ceder seus direitos conexos? A Lei 6.533/78, em seu artigo 13 (não revogado pela Lei 9.610/98), estabelece que não será permitida a cessão ou promessa de cessão de direitos autorais e conexos decorrentes da prestação dos serviços profissionais do artista. A nova Lei 6.910/98 acolheu esse entendimento. Ser possuidor de direitos conexos significa deter o controle sobre a utilização de sua interpretação artística. Mas lhe é facultado autorizar a terceiros que utilize esse trabalho, mediante remuneração. São duas as formas de isso acontecer: a concessão e a cessão de direitos autorais e/ou conexos.

         A doutrina majoritária entende que essa autorização para a utilização por terceiros só poderá ser feita por concessão, ou seja, por prazo determinado. Assim o artista nunca perderia a titularidade sobre seus direitos conexos.

         Cabe ao artista sempre exercer o direito de arrependimento, prerrogativa de que goza o titular de direitos autorais e conexos, pelo fato destes pertencerem à categoria dos direitos da personalidade contendo caráter de direito moral, que os torna irrenunciáveis, limitando a cessão.

          A Lei 8.666/93, artigo 111, dispõe que a Administração Pública somente poderá contratar o autor se este ceder os direitos patrimoniais a ele relativos para que a Administração possa utilizá-lo. A imposição legal do administrador é abusiva e ilegal. A prevalência do interesse público sobre o privado não deve ser considerada nesta questão.

       Nos contratos sobre a questão da cessão autoral, se fará sempre por escrito (é o que expressa o artigo 50 da Lei dos Direitos Autorais) indicando o objeto e as condições de exercício do direito quanto a tempo, lugar e preço (presume-se sempre onerosa). O objetivo do direito é a garantia de justa recompensa financeira pela utilização ou exploração econômica da obra criativa. A restrição imposta por lei à Administração é violadora desse princípio.



12 - DA OBRA CRIADA POR COMPUTADOR

 
     Não confundir obra criada por computador com a proteção da Lei 9.909/98, que dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual de programa de computador. O que queremos analisar é a obra de arte (trilhas sonoras, efeitos sonoros, efeitos visuais) que são utilizados em suportes e postos a venda. Nesses casos, de quem são essas  criações? São dos autores dos programas de computador, ou de quem os aplica? Muitas dessas máquinas já trazem determinados programas prontos que são utilizados principalmente na chamada música eletrônica, como o Rap e outras manifestações onde se usa e abusa dos teclados digitais. Quem é o titular dos direitos autorais daquela música que já vem previamente programada?

     Conforme nos ensina o artigo 7º,  XII, §1º da Lei autoral, o programa de computador é uma criação tutelável e como tal confere direito moral e patrimonial a seu criador.
      “Art. 7º. São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:

       XII  -  os programas de computador.”

 
     Sabemos que, pela lei 9.609/98, os criadores de programas são titulares de direitos autorais, gozando exclusividade de exploração de sua criação.

     Mas admitindo-se a criação pela própria máquina, pelo computador, como se estabelece a titularidade do direito autoral? Está claro que tais direitos não são da máquina, pois esta, mesmo capaz de criar obras estéticas originais, no mundo jurídico é coisa (res). Nessa situação não pode ter personalidade, não pode ser ator no mundo do direito. Apenas as pessoas físicas e jurídicas o são.

     Esses direitos seriam  do proprietário da máquina ou do usuário? Bittar entende que seriam direitos autorais do autor do programa. Estes direitos seriam do usuário se este também fosse o criador dos programas que tornaram possível a máquina atingir o plano criador.



13  -  A TUTELA AUTORAL DO PRODUTOR FONOGRÁFICO

 
     O Produtor Fonográfico tem um direito contemplado na Lei 9.610/98, mesmo não sendo um criador, ou um artista. A Lei fixa ao produtor fonográfico o direito de autorizar ou proibir a reprodução, venda, locação, difusão ou qualquer outra utilização. É o que preceitua o artigo 93 do documento estudado:

 
     “Art. 93. O produtor de fonogramas tem o direito exclusivo de, a título oneroso ou gratuito, autorizar-lhes ou proibir-lhes:

     I  -  a reprodução direta ou indireta, total ou parcial;

     II  -  a distribuição por meio da venda ou locação de exemplares da reprodução;

     III  -  a comunicação ao público por meio da execução pública, inclusive pela radiodifusão;

     IV  -  VETADO;

     V  -  quaisquer outras modalidades de utilização, existentes ou que venham a existir”.

     Duas observações a se fazer:

     a) há a outorga de um direito exclusivo, o que quer dizer, que é dele produtor e somente dele, autorizar ou proibir, gratuitamente ou mediante pagamento a utilização de bens cujos direitos pertencem a ele e aos artistas intérpretes ou executantes.

     b) a Lei permite aos produtores autorizar o uso gratuito de fonograma. O problema consiste em que a própria lei também  prevê que, por essa utilização, há direitos patrimoniais de artistas, intérpretes ou executantes, ou seja, de terceiros.





14  -  DOS DIREITOS DAS EMPRESAS DE RADIODIFUSÃO


 
     Os direitos conexos tratados na presente Lei estendem-se a todas as empresas de radiodifusão,  incluindo aquelas tidas como rádios piratas, porque a Lei não as distingue. É o entendimento do art. 95  da Lei Autoral:

 
     “Art. 95. Cabe às empresas de radiodifusão o direito exclusivo a autorizar ou proibir a retransmissão, fixação e reprodução de suas emissões, bem como a comunicação ao público, pela televisão, em locais de freqüência coletiva, sem prejuízo dos direitos dos titulares de bens intelectuais incluídos na programação”.

 
     A Lei anterior, no que diz respeito à comunicação de transmissões captadas pela televisão, estendia esse direito apenas quanto a locais pagos.  A Lei atual estendeu esse direito a qualquer local de freqüência coletiva, mesmo aqueles em que nada é cobrado. Quer dizer que atualmente, para qualquer comunicação ao público, havendo freqüência coletiva, necessita de autorização da empresa de radiodifusão.

     Veja que o artigo define todos os direitos conexos dos organismos de radiodifusão, atribuindo-lhe a faculdade exclusiva de autorizar ou proibir a retransmissão de suas emissões, a fixação de suas emissões, assim como a reprodução de suas emissões, bem como a comunicação ao público, desde que atingindo o público em locais de freqüência coletiva.

     A Lei 9.610/98, define em seu artigo 5º, XII, o que vem a ser radiodifusão:

     “Art. 5º . Para os efeitos desta lei, considera-se:

     XII  -  radiodifusão – a transmissão sem fio, inclusive por satélites, de sons ou imagens e sons ou das representações desses, para recepção ao público e a transmissão de sinais codificados, quando os meios de decodificação sejam oferecidos ao público pelo organismo de radiodifusão ou com seu consentimento;”

 
     Gostaria de chamar atenção ao que diz Pimenta:

     “A empresa de radiodifusão a partir da sua emissão radiofônica de obras intelectuais, torna-se uma autora destas emissões, tendo o reconhecimento do controle legislativo, deste direito análogo ao direito de autor, denominado direitos conexos, cuja espécie é o direito de execução.

     Isto porque, a emissão radiofônica constitui um espetáculo, que difunde a representação ou execução de obra intelectual, ao público no momento em que ela transmite ou retransmite, apesar de não haver na emissão radiofônica a substância artística.”[15]

     Quando essa emissão é captada por receptores no âmbito familiar, não são devidos os direitos autorais, mas se em local público com intuito de lucro, deverão ser pagos tanto os direitos autorais quanto aqueles que lhes são conexos.







CONCLUSÃO

 
     Muito embora o direito autoral tenha sido inspirado no Estatuto da Rainha Ana que data do início do século XVIII, e tenha se revestido de cunho essencialmente econômico, naquela mesma época Kant ensinava que se tratava de um direito personalíssimo. Segundo Kant, o editor de uma obra intelectual (o suporte de sua época era o livro) representa os direitos do autor, mas é estranho à origem da obra, não adquirindo direitos sobre uma porção especial dessa obra. Entendia que o direito de edição compreendia um negócio de usufruto, limitando o poder do editor ao estrito uso da dimensão econômica do livro.

     A visão kantiana foi defendida desde as primeiras convenções internacionais por grande parte das nações (objetivando a uniformização das legislações dos países participantes, na defesa principalmente do aspecto moral). Recebeu influências de outra visão, de cunho  objetivo que apareceu com a adesão dos Estados Unidos à União de Berna, onde outra orientação passou a ser prevista na legislação subsequente.

     A partir de então, convivemos com duas grandes orientações, dois grandes sistemas, um subjetivo e outro objetivo. Nossas leis pendularam entre os dois lados, ora reforçando os princípios norteadores de um, ora seguindo os exemplos do outro. Isso aconteceu até surgir a nova Lei 9.610/98, que reputamos ser um documento jurídico muito à frente das legislações passadas. Concordamos com a escolha do legislador quando se ancorou na orientação do sistema que rege os países unionistas, logo seguidores de um direito autoral mais personalista e forjado no direito moral. Para a Lei 9.610/98, autor é apenas a pessoa física que cria, que pensa. Titular dos direitos originários é sempre o autor[16]. A pessoa jurídica pode promover a criação da obra, mas jamais será autora. O produtor (pessoa física ou jurídica) não trabalha em atividade criativa, apenas organiza e proporciona condições para a realização de obra audiovisual, logo, foi-lhe suprimida a autoria da obra, restando-lhe a titularidade derivada de direitos patrimoniais de autor, nunca dos direitos morais.

     A Lei 9.610/98  definiu-se acertadamente pela visão subjetiva do direito moral do autor. Na Carta Magna, o direito de autor já ganhara status de direito fundamental, incluído no artigo 5º. Agora, devidamente modernizada e atualizada frente aos interesses dos autores, nossa legislação prepara-se para desempenhar um importante papel no complexo mundo das comunicações atual, onde as novas tecnologias exigem a cada dia que nos adaptemos a essas novas mudanças. O terreno que antes era exclusivo dos juristas, abre-se a preocupações de níveis políticos e econômicos  e de comércio internacional ao qual se agregou esse ramo do direito exigindo de todos os que atuam na área o conhecimento do atual sistema de propriedade intelectual em escala mundial, tanto no tocante à propriedade industrial como aos direitos de autor. Os interesses econômicos neste ramo do direito são consideráveis, regidos internacionalmente por tratados da OMC e desastrosos para os países que não respeitam a legislação autoral.

     O aspecto econômico da legislação autoral tem gerado grande interesse, graças ao aparecimento de novas tecnologias e ao potencial de se utilizar as obras protegidas sem limites e com melhor qualidade de reprodução. Os países desenvolvidos, no âmbito das negociações realizadas nos fóruns internacionais,  utilizam-se do direito autoral como arma de negociação e nos fazem propostas  buscando os espaços cibernéticos, distante dos princípios jurídicos tradicionais.

     Convivendo nesse complicado universo, o autor necessita não só de leis adequadas ao novo quadro, mas, também de mudança de atitude. Pelo fato do direito de autor ter esse papel tão importante nesse mercado de bens e serviços, nessas dimensões tão grandes, mundiais, faz-se necessário que se agreguem em sociedades de gestão coletiva. Só através delas poderão os criadores chegar à defesa correta de seus direitos.

     O futuro nos dirá o quanto de moderno está presente na nova lei, reconhecendo a autoria somente daquele que realmente cria, o autor, ente detentor da titularidade originária com a totalidade dos direitos patrimoniais, que podem ser transferidos, e dos direitos morais, cuja titularidade só ele detém.

    

 
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SANCHES, Hércules Tecino. Legislação Autoral. São Paulo, Ltr, 1999.




 

 
DISPOSIÇÕES DE LEIS REVOGADAS EXPRESSAMENTE PELA LEI 9.610/98.


 
-          CÓDIGO CIVIL

Revogados os dispositivos:

LIVRO II

Do direito das Coisas

TÍTULO II

Da Propriedade

CAPÍTULO VI

Da Propriedade Literária, Científica e Artística

Arts. 649 a 673

LIVRO III

Do Direito das Obrigações

TÍTULO  V

Das Várias Espécies de Contratos

CAPÍTULO IX

Da Edição

Arts. 1.346 a 1.358

CAPÍTULO X

Da Representação Dramática

Arts. 1.359 a 1.362

-          Lei 5.988, de 14 de dezembro de 1973.

-          Lei 6.800, de 25 de junho de 1980.

-          Lei 7.123, de 12 de setembro de 1983.

-          Lei 9.045, de 18 de maio de 1995.



LEIS DECLARADAS EM VIGOR PELO ART. 115 DA LEI 9.610/98



-          Lei 6.533, de  24 de maio de 1978.

-          Lei 6.615, de 16 de dezembro de 1978





[1] Sanches,1999:131.
[2] Idem.
[3] (Pimenta,1998:69/70).
[4] Sanches,1999:88/89.
[5] Ascensão,1980:57.
[6] Macdowel de Figueiredo in: Costa Neto, 1998:65.
[7] Costa Neto,1998: 69.
[8] Bittar,1994:37.
[9] Lipszyc,1993:147.
[10] Pimenta,1998: 78
[11] Bittar,1994:45.
[12] Idem, 45.
[13] Pimenta, 1988: p 84.
[14] Idem: p 83.
[15]  PIMENTA, Eduardo S, Direito conexo da empresa de radiodifusão. São Paulo, LEJUS, 1999. p.3.
[16] Uma vez que titularidade é diferente de autoria, a Lei estudada reserva no caso de obras coletivas a titularidade originária ao organizador. Mesmo neste caso, o organizador goza da titularidade originária somente na utilização da obra coletiva como um todo. Os autores, por sua vez, gozam dessa titularidade na utilização da parte criada por cada um.


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